quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Crise do Senado Brasileiro



O paradoxo do barbeiro de Sevilha diz que o barbeiro de Sevilha faz a barba de todos os sevilhanos, que não fazem a própria barba. Pergunta-se: o barbeiro de Sevilha faz a sua própria barba?


Essa pergunta veio à tona acompanhando o noticiário bombardeando o PT e Lula pela (suposta, no caso do partido) defesa da manutenção de Sarney na presidência do Senado. Essa idéia de que só o Planalto pode salvar Sarney é interessante, porque o Planalto (e o PT) é fundamental para derrubar Sarney.

Sarney tem base eleitoral em unidades federativas muito pobres, que necessitam do Estado para quase tudo. A maioria das populações do Maranhão e do Amapá dependem do Estado para ter saúde, educação, segurança, previdência, eletricidade, inclusão social, infra-estrutura... Esse tipo de dependência de investimentos estatais possibilitou a existência de oligarquias políticas no Nordeste – a região mais pobre do país, ao longo de todo o século XX.

Como a família Sarney construiu sua força política nesses estados sob a condição de oligarcas, sempre estiveram vinculado ao governo central, por absoluta dependência deste. Foi assim na ditadura militar – quando Sarney era da ARENA e foi governador biônico, na redemocratização – quando ele virou presidente por eleição indireta, e nos governos FHC e Lula – quando ele foi aliado do Planalto na condição de presidente do Senado ou liderando o PMDB.

Ocorre que a mantença de uma oligarquia baseada na indústria da seca, no controle dos meios de comunicação, no voto de cabresto, na perseguição às oposições etc., encontra limites no desenvolvimento destes estados. Estes deveriam manter-se pobres para que “seus representantes” tivessem demanda perante o governo e fosse buscar recursos.

Como o Governo Lula trouxe desenvolvimento sócio-econômico para o Nordeste, com geração de emprego e renda, programas sociais que impulsionaram as economias locais, maior abertura para os movimentos sociais e as oposições, trouxe também as condições para que as oligarquias fossem varridas do mapa. Até 2006, os estados nordestinos eram governados, quase todos, pelo PMDB e pelo DEM (antigo PFL), não coincidentemente os partidos que governam o Senado há mais de uma década.

Nas eleições de 2006, com o novo momento representado pela assunção do PT à presidência, essas elites reacionárias foram expulsas dos governos nordestinos: o PT elegeu três governadores, o PSB mais três, o PDT dois e o PSDB, (que representa uma direita mais liberal em contraposição ao DEM , oligarca) dois. Ou seja, os partidos de esquerda e progressistas afinados com o governo Lula venceram a maior parte das eleições.

No Planalto, Sarney encontra a sua sobrevivência e a sua destruição. Esta permanente, e aquela temporária. Pergunta-se: o barbeiro de Sevilha faz a sua própria barba?

Essas transformações se dão mais lentamente no Senado. A Casa Alta do parlamento brasileiro é a casa das elites mais reacionárias, das oligarquias mais dantescas, desde que se instaurou a república no Brasil. Os barões do latifúndio, beneficiários da monarquia, encontraram um abrigo no Senado para manter, ao menos, uma parte do poder que estavam perdendo para as burguesias e classes médias urbanas.

Desde então, pela sua estrutura onticamente conservadora, pelos privilégios dos mandatos de oito anos e suplentes não eleitos, pelas eleições personalistas e baseadas no poder econômico e midiático, e pela relação privilegiada com o planalto (refém dos senadores), a câmara alta abriga gente do nível de Sarney, Roseana, Mão Santa, Garibaldi Alves, Kátia Abreu, José Agripino, César Borges, ACM Pai e Junior, entre outros políticos altamente reacionários, via de regra detentores de grandes propriedades rurais e monopolizadores das grandes empresas de comunicação em seus estados.

E isso não é privilégio nosso. Conforme anotou o professor Dalmo Dallari em recente entrevista, mesmo nos países de economia mais avançada, o Senado sempre tem origem reacionária como nos EUA (cuja criação foi exigida pelos latifundiários das colônias do Sul) e na Inglaterra (onde o povo elege seus representantes na Câmara dos Comuns e os Lordes ficaram com o Senado para eles). É bom lembrar que até o governo trabalhista de Tony Blair, os lordes tinham mandato vitalício e outros privilégios.

As grandes empresas monopolistas de comunicação estão pressionando furiosamente para a derrubada de Sarney da presidência. Como Sarney é brigado com Serra e defensor ardoroso de Lula e Dilma, derrubá-lo seria uma mão na roda para o projeto Serra presidente.

Mas quem substituiria Sarney e “moralizaria” o Senado? Garibaldi de novo?

O problema não se encontra na figura de Sarney, porque, como diria Raulzito, você mata uma e vem outra em seu lugar. A crise é do Senado, um quartel de elites patrimonialistas em contraste com o desenvolvimento econômico e político vivido no país. As práticas clientelistas vivenciadas ali sobreviveram ao longo do século XX porque neste a regra era a ditadura.
A democracia liberal é uma necessidade do desenvolvimento das sociedades burguesas.

Parece-me óbvio que os senadores do PT devem se posicionar nesta crise, defendendo reformas no funcionar da casa, mas denunciando a cretinice da oposição pela responsabilidade que tem nisso, já que o DEM possui a Secretaria-Geral do Senado há anos.

Mas o conjunto do PT, das esquerdas, dos movimentos sindical e demais movimentos sociais devem aproveitar a oportunidade para denunciar a existência do Senado em si. O Senado é uma instituição de manutenção, que impede o desenvolvimento social e econômico do país e age contra as forças democráticas e populares. A sua existência serve como escudo protetor das elites, principalmente daquelas mais atrasadas.

Extinguir esse bunker da burguesia mais anacrônica deve ser o foco das forças democráticas e populares nesse momento. E temos uma chance de ouro para fazê-lo.

Vinicius da Silva – advogado do SENGE-BA e do SINARQ-BA, professor da Faculdade de Direito da UFBA